Muito antes de se tornar nota de topo nas águas aromáticas criadas a partir do século XVIII, a bergamota – Citrus bergamia – já trazia consigo a essência de um Mediterrâneo pleno de encontros e intercâmbios. Aqui revelamos os segredos de um dos aromas mais fascinantes.
Análises de ADN revelam que a bergamota (Citrus bergamia) resulta de uma hibridação entre a Citrus aurantium (laranja amarga) e a Citrus limetta (lima doce). Criada pressumivelmente pelos árabes, a partir de dois citrinos originários do Extremo Oriente, a bergamota nasceu de um encontro de culturas.
Não se conhece ao certo o local exato do seu surgimento, mas as evidências botânicas e históricas apontam para as regiões do Magrebe ou da Ásia Menor, de onde os árabes, mestres em medicina, alquimia e agricultura, o terão trazido para a Sicília e o sul da península Itálica.
Foi na Calábria, já no século XVII, que a bergamota encontrou o seu terroir ideal: solo calcário, brisa marinha e sol intenso. Ali começou a ser cultivada intensivamente, e dali sairia o óleo essencial que viria a conquistar a medicina natural e a perfumaria europeia.
Um dos primeiros registos do seu uso em fórmulas aromáticas aparece associado à Aqua Mirabilis, uma água terapêutica criada por Giovanni Paolo Feminis, um italiano originário do Piemonte que se estabeleceu em Colónia, na Alemanha, no final do século XVII. Mais tarde, o seu sucessor, Giovanni Maria Farina, refinaria esta fórmula, lançando a icónica Eau de Cologne, em 1709 – fragrância onde a bergamota desempenha um papel essencial, conferindo frescura, leveza e brilho. A Água de Colónia, surgiu originalmente como um preparado medicinal, usado pelas suas propriedades desinfetantes, antiseticas, anti-inflamatórias, tónicas e digestivas.
O fruto e o óleo: bergamota em corpo e essência
À primeira vista, a bergamota (Citrus bergamia) é apenas mais um citrino de casca esverdeada e rugosa; por vezes, até inestético. Contudo no interior da sua casca vibra uma alquimia singular, da qual só a Calábria parece saber extrair a sua plenitude. É ali, na província de Reggio di Calabria, numa faixa costeira que se estende das encostas voltadas para o Estreito de Messina, olhando para a Sicília, contornando a biqueira da “bota” itálica até ao Mar Jónico, que se concentra 90% da produção mundial de óleo essencial de bergamota – um ouro líquido de aroma solar e propriedades terapêuticas amplamente documentadas.
Ao contrário da maioria dos óleos essenciais, que são extraídos por destilação a vapor, o da bergamota, como o de outros cítricos, é obtido por expressão a frio da casca fresca do fruto. Trata-se de um método delicado que preserva os compostos voláteis mais sensíveis. O rendimento é exigente: são necessários entre 200 kg e 250 kg de casca para produzir 1 litro de óleo essencial. Daí o seu valor, não apenas económico, mas também terapêutico e histórico.
O óleo é composto por uma sinergia complexa de moléculas, das quais se destacam:
- Limoneno (30–45%) – com ação antioxidante, antisséptica e tonificante.
- Linalol e acetato de linalila – ésteres com reconhecida ação ansiolítica e sedativa.
- Bergapteno e outras furanocumarinas – responsáveis pela fotossensibilidade, mas também por propriedades anti-inflamatórias e imunoestimulantes.
Estes compostos atuam em várias frentes: equilibram o sistema nervoso, acalmam o trato digestivo, reforçam as defesas naturais e ainda promovem efeitos euforizantes e antidepressivos — uma ação que se sente quase de imediato, através do aroma, no plano emocional e até energético.
Trata corpo, alma e espírito
Desde os primeiros tratados da medicina natural europeia aos compêndios modernos de aromaterapia clínica, a bergamota (Citrus bergamia) é apontada como um dos óleos essenciais mais versáteis e equilibradores. E não apenas por ser agradável ao olfato: o seu efeito é direto, mensurável e profundamente transformador.
No plano físico
Estudos recentes confirmam que o óleo essencial de bergamota atua eficazmente como:
- Ansiolítico natural, ajudando a reduzir níveis de cortisol e induzindo relaxamento (via inalação ou massagem).
- Digestivo e antiespasmódico, especialmente útil em casos de dispepsia nervosa, flatulência, cólicas e tensão gástrica.
- Antisséptico e cicatrizante, indicado para acne, pequenas feridas, eczema e dermatites seborréicas.
- Regulador endócrino leve, auxiliando em estados de tensão pré-menstrual e alterações de humor.
Estas ações devem-se à interação dos seus constituintes com o sistema nervoso autónomo e com os recetores olfativos ligados ao sistema límbico – região do cérebro onde emoções, memórias e instintos se entrelaçam.
Na esfera emocional e energética
Na aromaterapia psicoemocional, a bergamota é amplamente reconhecida como um óleo da “alegria tranquila”. Não euforiza, não excita – expande com suavidade. Dissipa a tristeza leve, alivia o peso emocional, resgata a confiança interna.
No plano energético, a bergamota atua principalmente sobre o meridiano do Fígado, desbloqueando estagnações de energia vital (o Qi da Medicina Tradicional Chinesa), especialmente as que se manifestam como irritabilidade, angústia no peito, rigidez muscular e distúrbios digestivos de origem emocional.
Está também associada à tonificação do Pulmão e Coração, por trazer leveza, favorecer o desapego e abrir espaço interno para a respiração profunda, emocional e física.
3 Sinergias com Alma de Sol
Alegria Límpida
Sinergia para ansiedade e tristeza leve
Quando os dias escurecem, a bergamota traz a luz do sol. Ilumina e proporciona claridade emocional.
Esta é uma sinergia para momentos de desânimo, insegurança ou tensão emocional acumulada.
- 4 gotas de Citrus bergamia (Bergamota)
- 3 gotas de Lavandula angustifolia (Alfazema)
- 2 gotas de Santalum album (Sândalo)
Como usar: No difusor, em inalação seca (num lenço ou inalador pessoal) ou diluída em 10 ml de óleo vegetal para massagem no plexo solar, nos pulsos e plantas dos pés.
Efeito esperado: acalmia, enraizamento, tranquilidade, reequilíbrio.
Pele Serena
Sinergia para acne e oleosidade emocionalmente reativa
A pele é muitas vezes o espelho das nossas emoções. Esta sinergia é especialmente útil para peles oleosas, inflamadas ou com tendência a acne, sobretudo quando os surtos se associam a stress ou alterações hormonais.
- 3 gotas de Citrus bergamia (bergamota)
- 2 gotas de Melaleuca alternifolia (tea tree)
- 1 gota de Pelargonium graveolens (gerânio)
Como usar: Diluir em 10 ml de óleo vegetal de jojoba e aplicar localmente à noite, com movimentos circulares suaves.
Efeito esperado: Pele mais limpa, menos inflamada, com toque e brilho equilibrados.
Inspiração Solar
Sinergia para foco, criatividade e clareza mental
Alia o brilho cítrico da bergamota ao tónico mental do alecrim e à doçura estimulante da laranja para desbloquear a criatividade, renovar a motivação e fazer fluir a energia.
- 3 gotas de Citrus bergamia (Bergamota)
- 2 gotas de Rosmarinus officinalis (Alecrim)
- 2 gotas de Citrus sinensis (Laranja-doce)
Como usar: No difusor ou numa pedra difusora no local de trabalho. Ajuda a focar nas tarefas, no estudo e criação artística.
Efeito esperado: clareza de ideias, foco sustentável e leveza interior para navegar tarefas exigentes sem rigidez.
Entre a luz e a sombra: precauções no uso da bergamota
Como tudo o que é potente e belo na natureza, a bergamota também exige respeito. O seu aroma é encantador, as suas propriedades são valiosas, mas o seu uso requer conhecimento e sensatez – sobretudo quando se trata da aplicação tópica. A primeira regra, como em qualquer óleo essencial é: nunca usar puro. Todos os óleos essenciais devem ser diluídos para que o seu uso seja seguro. O assunto da segurança no uso de óleos essenciais será abordado noutro artigo.
A principal advertência está relacionada com um dos seus constituintes naturais: o bergapteno e outras furanocumarinas, compostos altamente fotossensibilizantes.
Se aplicado sobre a pele (mesmo diluído) e exposto ao sol ou a fontes de radiação UV (como solários), o óleo essencial de bergamota pode provocar manchas, queimaduras ou reações fototóxicas. Esta propriedade não anula as suas virtudes – apenas pede cuidado na sua utilização.
Recomendações principais:
- Evitar a exposição solar direta até 12 horas após aplicação tópica, a não ser que se esteja a usar um óleo essencial de bergamota sem furanocumarinas, geralmente rotulado como FCF – Furanocoumarin Free.
- Usar sempre diluído em óleo vegetal (como jojoba, semente de uva ou amêndoas doces), especialmente em peles sensíveis.
- Não recomendado para bebés ou crianças pequenas, salvo sob orientação especializada.
- Durante a gravidez, especialmente no primeiro trimestre, deve ser usado com cautela e sob aconselhamento profissional.
- Evitar o contacto com olhos, mucosas ou zonas lesionadas da pele.
Além disso, como em todos os óleos essenciais, convém realizar um teste de sensibilidade cutânea antes do uso regular, aplicando uma pequena gota diluída na parte interna do antebraço.
Com estas precauções respeitadas, a bergamota torna-se uma aliada luminosa.