Idealmente, preferimos não sentir sensações e emoções desagradáveis. São desagradáveis, ponto final. É o caso da raiva que, desencadeada por circunstâncias diversas, reprimimos muitas vezes dentro de nós. Devemos soltá-la para nos libertarmos dela?
A raiva é uma emoção tão humana quanto a alegria, a preocupação, a tristeza ou o medo. Nas filosofias e medicinas do Leste Asiático, está associada a bloqueios da energia hepática. Não será por acaso que se diz que o fulano ou a fulana tem “maus fígados”. Mas não nos dispersemos, isso poderá vir a ser assunto para outro artigo.
Tal como as outras emoções humanas, a raiva surge num contexto de ações, reações e interações mentais e fisiológicas. Imagina alguém a criticar-te severamente: sentes-te sob um ataque cerrado; as tuas suprarrenais disparam cortisol e adrenalina (as hormonas do stress) para o fluxo sanguíneo; sentes aquela coisa a agigantar-se dentro de ti, provavelmente com sensações físicas de tensão e plenitude nas zonas abdominal ou dos hipocôndrios; na tua cabeça, os pensamentos andam em looping e são de irritação.
O pior é que nada do que está a acontecer no teu corpo e na tua mente te ajuda a acalmar. Pelo contrário, tudo concorre para acelerar o ciclo de pensamentos negativos e aumentar esse tumulto interno. Como lidar com isso? Reages ao ataque com intensidade ou interiorizas a raiva, carregando-a contigo por tempo indeterminado?
Chamam-lhe raiva interior quando não a exprimes e apenas a vivencias interiormente. Essa raiva que fica por expressar transforma-se com muita facilidade em rancor e ressentimento – um pouco mais atenuados e gerais que a raiva, mas ficam a “moer”, a “moer”. Muitas vezes, com o passar do tempo, esses sentimentos já nem se referem a uma situação específica e transformaram-se mais numa zanga ressabiada e pessimista. Lembras-te do Rezingão, da Branca de Neve? É mais ou menos isso…
Se fores do género mais para o introvertido, irás achar, com certeza, que o melhor é não sentir de todo raiva. E a sentir algo, então, que seja interior. Afinal, fomos desde crianças ensinados a conter a nossa raiva. Aprendemos a reprimi-la.
Mas é como uma panela de pressão. Há que abrir a válvula para não explodir. E quando a exteriorizas, fora do tempo e do contexto, acabas por reagir de forma exacerbada a uma situação que nada tem a ver e acabas por machucar alguém que não querias. E lá vem a sra. Culpa pedir-te contas. “És uma besta colérica. O que te levou a passares-te daquela maneira com alguém que nada tem a ver com a origem do teu mal-estar?”
Sentes-te ainda pior, o que vem associado a mais pensamentos negativos e, provavelmente, com essa raiva, agora a dirigir-se contra ti e a fazer mossa na tua autoestima.
Muitas vezes, para evitarmos passar-nos dos carretos, “damos para trás” nas outras pessoas ou “viramos as costas”. Afinal, somos pessoas civilizadas, não é assim? A verdade é que o jargão técnico rotula esse tipo de atitude de “agressão passiva”. A expressão é bem clara. Lá por ser passiva, não deixa de ser agressão. Certo?
Nem vou falar aqui do recurso ao álcool e outras substâncias que muitos imaginam aliviar a tensão.
Então, será que é realmente melhor um silêncio repleto de ressentimentos e rancor do que despejar o saco e deitar tudo cá para fora? Afinal, a raiva reprimida pode pôr-nos doentes, pode levar-nos à depressão e desencadear uma série de sintomas…
Na verdade, estamos a partir de um pressuposto errado. Sabemos muito bem que reprimir a raiva é tão mau como perder as estribeiras, porque alguém se vai dar mal com isso emocionalmente, fisicamente… ou ambos.
E o erro está no juízo de valor que introduzimos quando abordamos o assunto. Na valorização negativa da emoção e no facto de supormos de que é mau livrares-te da tua raiva interior exteriorizando-a.
E, assim, ficamos ainda mais zangados. Ficamos zangados por estarmos zangados, aumentando a nossa raiva contra nós próprios, engordando a sra. dona Culpa, de quem já falei atrás, sempre à coca, aguardando uma oportunidade para se mostrar.
E se estivéssemos a falar de alegria e não de raiva? Julgaríamos da mesma maneira? Estaria eu aqui, a esta hora da noite, a martelar estas linhas no teclado do computador por causa da alegria? Alguém já se questionou qual das alegrias é melhor; se a interior ou a exteriorizada? A alegria é uma coisa boa e podes exprimi-la sempre que te apetecer.
Não quero, de maneira nenhuma, equiparar a raiva às emoções de frequência vibracional mais elevada. A raiva é uma emoção tramada que nos pode fazer adoecer. Mas, se simplesmente a reprimires, ela vai grudar-se na tua mente subconsciente e regressará mais tarde para te assombrar. E se a vais devolver com igual ou maior intensidade, a libertação vai ser momentânea e alguém vai magoar-se.
Apenas pretendo esclarecer que a podemos tornar menos nociva para nós e para quem nos rodeia, bastando mudar a forma como olhamos para ela e para os fatores que a desencadeiam.
Trata-se, portanto, de uma questão de perspetiva e de perceção. Se mudarmos a perspetiva podemos transformar a maneira como vemos as emoções e, consequentemente, a forma como elas nos afetam.
Podemos começar por ver a raiva, bem como as outras emoções negativas, como algo intrinsecamente humano. O psicólogo israelo-americano Tal Ben-Shahar diz que “só existem dois tipos de pessoas que não sentem emoções negativas: os psicopatas e os mortos”. Ou seja, as emoções negativas, tal como as positivas, são parte intrínseca do ser humano. E, sim, é normal sentir raiva. Da mesma maneira que é normal sentir tristeza, medo, ansiedade. O primeiro passo para acabarmos com o mal que essas emoções negativas nos provocam, é darmo-nos a nós próprios permissão para as sentir. E isso é dar-nos permissão para sermos humanos.
É aceitar que somos imperfeitos; aceitar o facto de sentirmos raiva quando nos mexem em determinados botões. Só aceitando que essas emoções nos pertencem conseguirmos lidar mais eficientemente com elas.
Só te livras dessa raiva reprimida quando a conheceres e saberes qual a função dela na tua vida. E só poderás conhecer algo se o aceitares. Aceitar não significa que tenhas de gostar, aprovar, desejar ou concordar. Basta constatar que existe.
Através da hipnoterapia, associada a terapias manuais manuais, como o shiatsu e outras técnicas de promoção do relaxamento, posso ajudar-te a ter a presença de espírito para fazeres a introspeção necessária e conheceres essa emoção. Posso ajudar-te a descobrires o papel dela na tua vida e auxiliar-te na sua transformação.
Podes começar já, neste preciso momento. A sério.
Desvia os olhos do ecrã, por uns momentos e fecha-os. Respira profundamente 3, 4 ou 5 vezes e foca-te na tua respiração. Permite que essa respiração seja lenta e suave.
À medida que inspiras e expiras, profundamente, vais sentir o teu corpo a relaxar, e também a tua mente fica mais tranquila. Agora, observa essa raiva a partir de um ponto de vista distanciado. Sem julgar, sem valorizar, sem analisar. Observa apenas.
O que tem ela para te dizer? Qual o papel dela na tua vida?
Quando reprimes a raiva dentro de ti, quais são as suas manifestações somáticas? Em que parte do teu corpo sentes a raiva acumular-se?Enxaqueca, dores (onde), alguma doença autoimune? Observa.
Como é que a raiva se manifestava na casa onde cresceste? Muitas vezes reproduzimos os comportamentos e emoções dos nossos adultos de referência ou fazemos exatamente o contrário. Observa.
Não será essa raiva um reflexo daquilo que sentes acerca de ti? Sentimentos de inferioridade e a sensação de não se ser bom o bastante estão muitas vezes associados. Observa.
Quando sentes mesmo raiva de alguém, estarás realmente com raiva dessa pessoa ou ela faz-te apenas lembrar alguém ou alguma situação do teu passado que te enfureceu? Observa.
Estarás simplesmente a projetar em alguém a raiva que sentes pela tua própria pessoa?
Tu já tens dentro de ti as ferramentas necessárias para conheceres e gerires a raiva. Eu posso ajudar-te na descoberta dos mecanismos para não a desenvolveres, para aprenderes como libertar-te e como ressignificar os eventos que a desencadeiam em ti.
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